Cumbuca Bares e Butecos de Campinas

Nem sempre eles sorriem. Nem sempre eles conversam. Nem sempre eles cantam ou dançam. Nem sempre. Se tem um lugar e uma época em que eles fazem tudo isso e muito mais é durante as festas da cerveja. São duas “oficiais” ao longo do ano na Alemanha. Uma que celebra a primavera, entre abril e maio, e a outra que celebra a cerveja mesmo, entre setembro e outubro. E nestas festas é que eles se abrem. Se abrem pro mundo e para eles mesmos. Os alemães são, em sua maioria, sérios, mal encarados e mal humorados. Mas, como numa espécie de libertação, eles se desamarram. Abraçam, beijam, cantam e até te enxergam. Era curioso para mim ver esta mudança de comportamento. Quase que palpável. E, apesar da cerveja fazer parte do cotidiano deles (até do café da manhã), eu não cheguei a presenciar tanta alegria como nestas festas.

Em cima dos bancos compridos (e resistentes) das mesas de madeira, eles dançam. Pulam mesmo. Quase um carnaval. Um carnaval diferente. A música é alta. Nas mãos, canecas de vidro pesadas (eu segurava com as duas mãos) com um litro do líquido dourado. Reluzente e encorpado. Um litro numa cacetada só. O efeito era nítido e bonito de se ver. Uma felicidade e uma interação na maioria dos dias encobertas pelo gelo cinza da estação. A bebida que eles fazem com tanta sabedoria é a carta de alforria.

Ela permite o contato, o tato, a troca. Abre pro coletivo, para a conversa. Ela inibe o estranhamento, o egoísmo e a falta de tato. Isso acontece lá, na Alemanha, durante as festas. Isso acontece aqui, durante todas as estações do ano. Durante todo ano. Durante os botecos. Quanto de amizade não brota entre uma mesa e outra? Quanto de amor não surge entre um gole e outro? Uma mesa e uma cerveja podem abrir portas, janelas e corações. É óbvio que há quem saia do rumo e tome o rumo errado. Não nego a existência. Mas hoje quero ficar com o bom da história, se me dão licença.

Na Alemanha, as festas da cerveja eram, para mim, um momento de pertencimento. Eram o momento em que me sentia parte daquele mundo completamente novo, frio, diferente e indiferente. Eram o momento do meu extravaso. Junto com o deles. Aqui, os botecos são meu momento de certeza, de intensa convivência. De conversas longas e palavras rápidas. De sorte e de saúde. E acredito que sejam assim também para os parceiros e parceiras que não abrem mão de balcões e calçadas por aí. É bonito de se ver.

 


Lívia Mota,  jornalista colaboradora do Cumbuca (saiba mais sobre a autora do artigo no QUEM FAZ)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *